Quando Ronaldo “Fenômeno” jogava pelo Corinthians, era comum vê-lo treinar de forma diferenciada, com exercícios livres, uso de barras e halteres, que não eram muito convencionais para o futebol e que se encaixavam nos princípios do treinamento funcional. Ex-jogador de futebol, treinador máster do Core 360° e gestor da academia Life Up (www.academialifeup.com.br), de Vinhedo (SP), Kleber Maffei explica que o treinamento funcional parte do princípio de entender como o corpo funciona e tenta otimizar esse funcionamento e, no caso do futebol, as avalia as capacidades que são mais necessárias, como resistência, velocidade, força e agilidade e as trabalha para melhorar a performance do jogador, prevenir lesões e equilibrar todas as capacidades físicas do atleta. “Fazendo uma analogia, não adianta ir pra escola e só aprender português. Vai chegar uma hora que vai sentir falta das outras matérias. Com o corpo é a mesma coisa: não adianta se preocupar só com força e não ter flexibilidade ou resistência.”
Vantagens do Treinamento Funcional
A preocupação com os detalhes é citada por Maffei como um dos benefícios do Treinamento Funcional, que cria estratégias e tarefas que vão ser transferidas para o momento do jogo. Assim, um jogador de futebol que tem seu core fortalecido, acaba tendo mais equilíbrio para fazer os dribles e defesas, adquire velocidade para disputar a bola e agilidade para escapar da marcação adversária.
Outra grande vantagem desse tipo de treino é que não é preciso modificar a estrutura do clube, academia ou escola de futebol para inclui-lo. “O bem mais precioso que alguém pode ter em relação ao treinamento funcional é conhecimento. Não precisa de nada, só de uma pessoa que se movimenta e a gente consegue adaptar o treino. Na realidade do futebol, por exemplo, a única ferramenta que poderia ser útil é a bola, além de outros recursos que podem ser usados. A independência dos aparelhos é um diferencial, porque quanto mais você se apoia nos aparelhos, mais você foge da sua natureza”, ensina Kleber Maffei.
Por meio do treinamento funcional pode-se ainda melhorar a performance, aumentando a eficiência com menor consumo de energia possível, além de prevenir as lesões. “Por isso, se eu tivesse que definir treinamento funcional em uma palavra, usaria equilíbrio entre as partes do corpo e as capacidades físicas, porque toda vez que você tem um desequilíbrio, uma parte do corpo está trabalhando mais do que a outra. Nisso, quem trabalha muito se cansa e faz sobrecarga, podendo se machucar, e quem trabalha menos se desestimula e não evolui. Isso serve para músculo, tendão etc.”
Amadorismo
“Fui jogador de futebol durante vários anos e ainda tenho amigos que seguem jogando. Uma das razões que me afastou do esporte é que o futebol ainda é muito amador no Brasil”, afirma Maffei, que completa: “ouço conhecidos dizerem que incluem o treino do core pros atletas e, quando você vai ver, é algo mal embasado e muito simples diante do que se poderia ser feito. Acho que ainda tem muita resistência cultural no uso do treino funcional no futebol”.
O treinador máster do Core 360° conta que há dois grupos treinando o futebol brasileiro atualmente. Um tem os “jurássicos”, que são resistentes às inovações e outro é dos jovens que têm know-how e credibilidade e estão tentando romper barreiras como uma visão mais moderna de treino. No exterior, esportes como rúgby, basebol, basquete e futebol americano já costumam usar o treino funcional na preparação física de seus atletas. No futebol a modalidade ainda é pouco usada, mas no exterior ainda é mais do que por aqui e Maffei cita que grandes times como o Bayern de Munique, da Alemanha, e o Real Madrid, da Espanha, contam com profissionais brasileiros em sua equipe de preparação física e elogia o bom trabalho realizado, além de provocar: “será que eles não estão exportando o treinamento funcional pra lá?”.
Por aqui, Santos, Corinthians e Inter de Porto Alegre são alguns dos times que têm certa preocupação com o treino funcional. “O pioneiro em introduzir essa modalidade aos treinos foi o preparador físico Sandro Sargentini, que acho que está no Grêmio de Barueri atualmente. Ele fez um ótimo trabalho nas equipes de base do Corinthians que ajudou a fortalecer o conceito de treinamento funcional e, quando aplicado no futebol, ele é a principal referência hoje.”
A cabeça do profissional
Uma das críticas de Kleber Maffei em relação aos profissionais de educação física e treinadores de futebol está no fato de que muitos dissociam o treino funcional do treinamento, como se praticar musculação fosse parte da estratégia e o exercício funcional fosse algo separado, à parte.
“Na verdade todo processo de treinamento tem que ser funcional. As pessoas perguntam se podem trabalhar treino funcional e musculação ou pilates – é uma dúvida recorrente – e isso mostra que elas não sabem o que é o treinamento funcional, sendo que ele é o que melhor utiliza outros métodos.” O treinador máster conta que treinamento significa melhorar uma competência e funcional significa ter uma utilidade, trazer uma vantagem. “Quando pensamos no macrociclo, o treinamento funcional significa distribuir os estímulos de acordo com a organização. Para treinar todas as capacidades físicas do atleta é preciso um processo de treino, tem que seguir uma ordem. Você não começa a construir uma casa pelo telhado, tem que ter a estrutura e com o corpo é a mesma coisa: precisa começar pelo fortalecimento do core e depois pensa em força e velocidade. Todo macrociclo deve se basear nessa ordem”, explica.
Há profissionais que acreditam que ao aplicar o treino funcional em modalidades esportivas, vai estar substituindo um método, quando, na verdade, vai estar agregando novas ferramentas de trabalho, segundo Maffei. “A substituição é de consciência”, afirma, lembrando que o treinamento funcional é simples, porém requer responsabilidade, já que lida com a liberdade de movimentos e é preciso conhecimento para aplica-los. “Trabalhamos com princípios básicos de individualidade e especificidade. Por isso não tem receita pronta.”
Conhecimento é o segredo
Para poder usar o treinamento funcional de forma efetiva, é preciso aprender mais sobre ele e uma das dicas de Maffei é fazer as quatro fases do curso promovido pelo Core 360°. “Posso parecer suspeito para falar, mas, sinceramente, não vejo outra capacitação no Brasil que tenha o mesmo cuidado de oferecer tudo o que se precisa para trabalhar com treino funcional”, diz.
Para aqueles que desejam trabalhar com esportes, a dica é: não existe receita de bolo! É preciso treinar o olhar e enxergar cada partida com uma nova perspectiva, observando os movimentos, tentando entender o que acontece no corpo daquele jogador no momento. Praticar a modalidade também ajuda a entender as dificuldades, os gestos, facilita o dia a dia do profissional.
Maffei conta que um novo curso está sendo formatado para breve para ensinar a usar os movimentos do futebol no desenvolvimento motor das crianças por meio do treinamento funcional, já que muitas escolas de futebol atualmente tratam seus “minicraques” como “miniadultos”. “O curso vem resgatar o processo do desenvolvimento motor usando o futebol para dar condições motoras para a criança desenvolver os gestos de forma mais correta”, conclui o ex-jogador.
Por Jornalismo Portal EF