A utilização de movimentos do dia a dia para entrar em forma é uma das características do treinamento funcional. Visando melhorar a performance, diminuir o risco de lesões e auxiliar no condicionamento físico, esses exercícios têm sido cada vez mais utilizados no treino de atletas de diferentes modalidades. O fisiologista do Esporte Clube Pinheiros, da capital paulista, e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Turíbio Leite Barros, atenta que o treinamento funcional é versátil, já que pode ser praticado tanto por crianças e idosos quanto por atletas e sedentários, e visa o equilíbrio e a propriocepção, trabalhando o corpo como um todo.
Treinamento funcional e musculação
Combinado aos exercícios de musculação, o treinamento funcional tem conquistado os esportistas que buscam melhorar o seu condicionamento, fazendo cair por terra o pensamento de alguns treinadores de que os exercícios para ganhar força levariam a uma perda de flexibilidade e aumento de peso que comprometeriam o rendimento do atleta. “O fato de ficar mais forte é condicionante para a melhora da performance. Indicadores mostram que combinado ao exercício funcional, o corpo todo ganha força, postura, resistência. É um suporte para o treino”, conta Luciano D’Elia, precursor do treinamento no Brasil e diretor técnico do Core360°, empresa especializada na modalidade.
“Musculação também não é só levantar peso repetidamente. Às vezes o próprio peso pode ser usado como sobrecarga para dar resistência”, lembra Dr. Turíbio, demonstrando uma das maneiras de usar os movimentos funcionais (agachar, pular, avançar, puxar, empurrar, levantar e girar) para ganhar força e agilidade sem a necessidade de equipamentos. Aliás, um dos programas que chega ao país com a intenção de turbinar os treinos e garantir uma rápida definição corporal é o Insanity, que trabalha esse tipo de movimento em uma intensidade tão forte que pode-se chegar a uma perda de mil calorias por hora de treino, segundo prega seu criador, o norte-americano Shaun Jhonson, levando à uma constante superação de limites.
Mas, como aplicar essas atividades funcionais na rotina do atleta?
O que observar no treinamento funcional
Todas as modalidades esportivas podem adotar o treinamento funcional em seu cotidiano para auxiliar o desempenho do esportista. Segundo D’Elia, cabe ao treinador observar três itens importantes para determinar como será essa rotina de exercícios: “é preciso se atentar às necessidades daquela modalidade esportiva para saber qual sua demanda; as necessidades individuais, já que em uma mesma modalidade temos pessoas de diferentes perfis; e o potencial de cada atleta, pois cada pessoa tem uma margem que pode ser trabalhada”.
Perceber como o corpo do atleta se comporta em cada esporte para descobrir quais partes trabalhar é essencial para obter sucesso no treinamento funcional. “Na natação, por exemplo, estimulamos a região de core, do centro do corpo, para melhorar e fortalecer essa área que é tão exigida. No futebol, além de perfis distintos, também é preciso notar que cada posição requer um treinamento. Goleiro e atacante têm necessidades diferentes que devem ser analisadas e trabalhadas, mas, de forma geral, pode-se usar exercícios que melhorem o equilíbrio biodinâmico e ajudem a prevenir lesões no joelho advindas das paradas bruscas, por exemplo”, conta o diretor do Core360°.
Insanity: treinamento funcional ou não?
O programa Insanity foi desenvolvido pelo treinador norte-americano Shaun Johnson e está chegando ao País como uma das promessas para quem quer estar em forma rapidamente, com o corpo definido e forte até o verão. Dados sobre o treino na internet indicam que ele é capaz de definir o corpo, aumentar a força, a resistência e a capacidade cardiovascular em até 60 dias com treinos de uma hora diária, bastando que o atleta tenha força de vontade e disciplina. Tanta intensidade faz com que o programa divida opiniões.
Para o fisiologista da Unifesp, qualquer proposta como a do Insanity deve ter comprovação científica antes de formalizar a ideia de emagrecimento rápido e não é destinado a qualquer um. “Profissionais e alunos devem ficar com o pé atrás para que o programa não seja apenas mais um modismo que não vai se concretizar. Além disso, a maioria das pessoas que tenta seguir um treinamento assim, radical, para no meio do caminho por excesso de exercício. Se não estiver em um nível muito avançado de condicionamento, as chances de ter uma lesão no sistema locomotor, como tendinites, torções etc são muito grandes”, orienta.
“Conheço pouco deste programa, mas acredito que ele não possa ser considerado um treinamento funcional. Se você não souber quando, como ou em quem aplicar o movimento funcional, ele será equivocado e não entendo o Insanity como funcional porque ele é genérico. Todo mundo se movimenta ao mesmo tempo, não é algo individualizado”, contesta D’Elia, que pede cautela e bom-senso à análise da promessa do corpo perfeito em dois meses. “Tudo que se ganha rápido, se perde rápido. Não tem milagre e acredito que a atividade moderada, rotineira e como estilo de vida, sem radicalismo, é que muda o corpo.”
O princípio de que quanto mais se praticar, melhor, no caso deste programa de condicionamento não tem embasamento, segundo os profissionais, e a promessa de que o treino recupera a silhueta em um tempo tão limitado pode ser perigoso demais para ser testado. O profissional de Educação Física precisa ter o senso crítico do que ele pode ou não aproveitar do programa em suas aulas, sem generalizar. “O treinador pode e deve usar a parte motivacional do Insanity, que é bastante importante, mas deve filtrar muito bem os exercícios usados e o perfil dos seus alunos para evitar riscos e lesões desnecessários”, conclui Dr Turíbio, que agora tem um blog para tratar de assuntos pertinentes ao universo fitness (drturibio.com).
Exercícios funcionais e recordes
A combinação de exercícios funcionais e treinos de força colaboram grandemente para a melhora da performance dos atletas, mas estudos divulgados no mês de julho afirmaram que independentemente do treinamento, a tendência é de que futuramente seja cada vez mais difícil bater recordes. Dr. Turíbio lembra que este é um assunto complexo e que vai além do exercício. “Há o treino de intensidade e o de qualidade, que aperfeiçoa o movimento para melhorar a performance, sem ficar mais forte ou resistente. Há ainda a interação com a tecnologia, que também deve ser levada em conta na hora das superações de limites”, cita.
Luciano D’Elia lembra que o treinamento funcional é um suporte da rotina do atleta, já que a prática de sua modalidade é que vai ajuda-lo a criar resistência. “No caso dos atletas de alto nível, por exemplo, trabalha-se para que ele melhore seu tempo sem que chegue ao limite do corpo e, com isso, o exercício funcional tende a ajudar, pois melhora a suportar mais carga, prevenir lesões e dar mais equilíbrio.”
Segundo o fisiologista, o material esportivo também tem grande colaboração com a quebra de recordes e os desenvolvimentos da ciência, nutrição, psicologia e tecnologia esportivas ajudam a evoluir e gerar novas superações. “No atletismo há 30, 40 anos atrás, a pista era feita de pó de carvão. Hoje, é de material sintético que ajuda a ganhar velocidade. Assim, a perspectiva do recorde é eminente e a competência dos atletas não vai estagnar”, finaliza.